O Vinho de Cauim e a Romiseta



 
Cauim passeava todos os dias com seu tio e sempre via o velho da Romiseta azul, era uma espécie de avô, não só de Cauim, mas de todos os meninos de quatro a 10 anos daquela aldeia, daquela vila. Cauim crescia e sonhava com o dia que ia dar uma volta naquele estranho veiculo de uma só porta e que bastava uma curva mais audaciosa que ele capotava, rolava feito uma bola, mas bastava sair do carro desvirar e continuar a jornada. Mal sabia Cauim que por falta de peças a Romi-Isetta (o nome correto, que ele descobriu muito tempo depois) não saia do lugar, porém o velho da Romiseta estava lá todos os dias para que os curumins continuassem a sonhar.

Um belo dia o vovô morreu, alguns meninos choraram, era como se o sonho de andar de Romiseta tivesse virado um pesadelo, mas para Cauim não, para ele nada tinha acontecido, a Romiseta estava lá, no mesmo lugar.
O tio não tentou explicar, sua sabedoria o levava a acreditar no sonho do Cauim, na fantasia desse jovenzinho que continuava a se alegrar com os passeios diários.
Um belo dia seu tio conseguiu as peças que faltavam e pôs
a Romiseta para rodar. Foi uma festa, os que choraram, lembraram do velho, mas Cauim parecia ver estrelas, mal cabia em si, estava orgulhoso do seu passeio em volta da Praça naquela Romiseta azul, naquele momento ele disse ao tio: “Que pena que o vovô não está aqui, né tio? Ele ia adorar me levar, mas ele foi pro céu e não quer mais voltar. O tio se emocionou e se orgulhou de não ter insistido na ideia da morte, algo que de fato só acontece por que somos racionais demais, pois para os que amam de verdade, a morte é só mais um capítulo da vida!
 Cauim cresceu, saiu da vila, foi morar na cidade grande e conheceu o vinho e quando alguém dizia que um vinho morreu, ele se lembrava da história, e dizia pode ser, mas ainda tem a Romiseta então vamos dar uma volta e logo soltava uma gargalhada, que só ele e quem conhecia a história, entendia.

Quando sonhei essa história me vieram à mente dois símbolos fantásticos: a pureza do sentimento e a verdade que reside.
É muito comum ouvirmos a expressão “um vinho quanto mais velho, melhor”, mas sabemos que nem sempre isso é verdade, na realidade muito poucos vinhos são feitos para produzir esse impacto. A razão disso é que os chamados vinhos de guarda são resultado de uma série de fatores que envolvem a idade da vinha, a qualidade e a variedade da uva, o processo de produção e os cuidados de passagem em madeira, envase, rolha e guarda. No entanto, assim como as pessoas, nem todos os vinhos envelhecem bem, alguns azedam, outros amargam, mas alguns chegam a idade avançada com muito vigor e personalidade.
A ideia de que um vinho morreu está atrelada ao seu vigor, à sua fruta, no caso dos tintos eles ganham uma coloração alaranjada, atijolada e seus aromas se modificam lembrando os de um vinho do porto (muitas vezes muito agradável), já os brancos ganham um tom dourado (lindo) e aromas que lembram um ferrugem.
O curioso é o paralelo que o nosso herói curumim, o Cauim, faz. Ele sempre quis dar uma volta na Romiseta, ou quem sabe conhecer a alma daquela Romiseta, conhecer a vida que ele sempre viu lá dentro.
Se a gente demorar muito talvez realmente morra o vinho dentro da Romiseta, digo da garrafa, mas de fato, só dá para saber se morreu mesmo, abrindo a garrafa, dando uma volta e quem sabe com as peças certas, um decanter talvez, ele se renove e se apresente como uma estrela para nós.
Lembre-se, um vinho não se conhece pelo rótulo, nem pela ideia pré-concebida, mas sim provando.

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